Repercussão de casos de preconceito contra cotistas ocorre meses após lançamento do livro “De Onde Eles Vêm” de Jeferson Tenório, que conta história de jovem negro em universidade pública por meio de cotas.
Em uma cena que misturava esporte e desafios sociais, estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) foram alvos de comentários discriminatórios, feitos por alunos da Universidade de São Paulo, durante um jogo de handebol universitário.
A situação ocorreu em um momento em que a diferença econômica entre as classes média e alta da sociedade brasileira é um dos principais temas debatidos em diversas esferas da política e da sociedade. A frase ‘cotistas filho da p‘, usada pelos estudantes da USP, é um exemplo da forma como as questões econômicas podem ser utilizadas para discriminar e marginalizar, como ocorre com os cotistas*, alunos de baixa renda que utilizam o Programa Universidade para Todos (ProUni) para financiar seus estudos.
O Desafio de Integração: Perspectivas da Classe Média em Universidades
A recente exposição de alunos da PUC-SP chamando colegas da USP de ‘pobres’ e ‘cotistas’ revela um sentimento profundo de ressentimento entre alguns setores da classe média brasileira. É um sinal de que a ascensão social de jovens negros, principalmente através do sistema de cotas, está gerando conflitos e desconfortos entre aqueles que consideram suas próprias tradições e prerrogativas ameaçadas. Este é um cenário comum em universidades, onde relações raciais e experiências divergentes entram em choque, revelando um sistema social complexo e hierarquizado.
A ascensão social de jovens negros, especialmente nas universidades públicas, tem sido um tema de grande debate nos últimos anos. Livros como ‘De Onde Eles Vêm’, de Jeferson Tenório, oferecem insights valiosos sobre essas experiências. O romance segue a vida de Joaquim, um jovem negro de 24 anos da periferia de Porto Alegre, que entra na universidade pública através do sistema de cotas. A história de Joaquim exemplifica o dilema da classe média em relação às cotas, que têm sido um alvo de críticas e ressentimentos de alguns setores da sociedade.
‘Existe uma elite acostumada a ser servida por pessoas pobres e negras. Em 15 anos, esses subalternizados passaram a ser seus colegas. Quando esses dois mundos se encontram, vemos justamente essas cenas que temos visto no meio acadêmico’, afirma Jeferson Tenório, autor de ‘De Onde Eles Vêm’ e vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2021. A experiência de Tenório como um dos primeiros estudantes a concluir uma graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por cotas também ilustra o desafio de integração enfrentado por muitos jovens negros em universidades.
‘A classe média, em sua maioria, tem herança escravagista e, por isso, há um sentimento de frustração e raiva em relação às cotas’, diz Tenório. O episódio dos jogos universitários, onde alunos da PUC-SP chamaram colegas da USP de ‘pobres’ e ‘cotistas’, exemplifica esse sentimento de ressentimento e frustração. Para Jeferson Tenório, essa censura e rejeição são sintomas de uma sociedade que ainda luta para lidar com suas próprias raízes de racismo e exclusão.
A ascensão social de jovens negros é um processo complexo que envolve não apenas mudanças econômicas, mas também psicológicas e sociais profundas. Ao ingressar em um ambiente considerado para poucos, os alunos negros de periferia e de escolas públicas começam a enfrentar diversos conflitos. A luta pela permanência é um dos principais desafios, pois os alunos cotistas enfrentam obstáculos que seus colegas, em geral, não enfrentam. O livro ‘De Onde Eles Vêm’ aborda os primeiros cotistas, que enfrentaram esses desafios sem as redes de acolhimento e apoio que existem hoje.
A ascensão social de jovens negros é, portanto, um desafio tanto para os indivíduos quanto para a sociedade como um todo. Requer uma mudança profunda nas relações raciais e sociais, bem como uma compreensão mais profunda da experiência de vida de jovens negros em universidades. É um processo que demanda tolerância, empatia e um compromisso com a igualdade, para que os principais obstáculos à integração sejam superados e os jovens negros possam florescer em ambientes de aprendizado.
Fonte: © G1 – Globo Mundo
Comentários sobre este artigo