Ilana Pinsky reflete sobre saúde mental e eutanásia, questionando a autonomia-e-dignidade e sofrimento-extremo em casos de incapacidade-de-tomar-medicação, como o caso do poeta Antônio Cícero.
Em um mundo onde a morte é um tema tabu, é hora de enfrentarmos essa realidade e explorarmos o complexo debate em torno da eutanásia. Essa prática medica, conhecida como morte assistida por médicos ou suicídio assistido, é frequentemente associada à discussão sobre a morte e sua aceitação em sociedades mais avançadas.
Podemos citar o caso da Bélgica, que desde 2002 permite aos pacientes com doenças incuráveis pedir ajuda para morrer. Esse é um exemplo de como a morte pode ser vista como uma opção de liberdade. No entanto, essa opção não é tomada à la carte, mas sim com base em uma série de critérios médicos e psicológicos. A morte assistida é uma discussão que tem sido cada vez mais frequente na mídia e no debate público, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. É hora de enfrentarmos essa realidade e explorarmos o complexo debate em torno da morte e sua aceitação em sociedades mais avançadas.
Complexidade da Morte e a Busca por Autonomia
A mídia e a sociedade inteira ainda debate sobre a definição exata de eutanásia e morte assistida, com muitos acreditando que a distinção entre esses termos não é tão clara quanto parece. Para alguns, a eutanásia envolve a administração de medicação por um profissional de saúde, enquanto a morte assistida é o paciente que toma a iniciativa sozinho. No entanto, a verdadeira questão é a autonomia e a dignidade dos pacientes em situações de sofrimento extremo.
O Desafio da Incapacidade Física em Morte Assistida
Pacientes com limitações graves, como tetraplégicos ou pessoas com doenças neurológicas, enfrentam um obstáculo significativo ao procurar a morte assistida. Isso ocorre devido à incapacidade de tomar a medicação sozinhos, o que os exclui do procedimento. Contudo, a essência da questão não é apenas quem administra a medicação, mas sim o desejo explícito do paciente em encerrar sua vida em situações de sofrimento extremo.
A Dignidade em Situações de Sofrimento
É na realidade do sofrimento extremo que nos obriga a enfrentar nossos próprios medos e preconceitos. O caso do poeta e filósofo Antônio Cícero, que optou pela morte assistida na Suíça, é um exemplo disso. Diagnóstico com Alzheimer em 2023, Cícero decidiu que preferia morrer antes de perder completamente a capacidade cognitiva, um cenário inevitável em estágios avançados da doença. Sua decisão não foi impulsiva, mas sim uma escolha cuidada com apoio do marido para o momento, informando apenas amigos e familiares mais próximos um dia antes de partir. Sua carta de despedida, publicada na imprensa, foi direta e tocante, uma rara demonstração pública de como terminar a própria vida pode ser vista não apenas como uma escolha de desespero, mas como um ato de controle e dignidade diante do sofrimento.
A Luta por Autonomia e Dignidade
A história de Cícero ecoa outras histórias pelo mundo, lembrando o caso do Dr. Jack Kevorkian, o ‘Dr. Morte’, que trouxe o debate sobre eutanásia à esfera pública nos anos 1990. Kevorkian, patologista americano, auxiliou centenas de pacientes a morrer, muitas vezes filmando os procedimentos, para forçar o debate ético e legal sobre o direito ao suicídio assistido. Ele não deixou um sucessor direto, mas seu trabalho abriu caminho para que países ao redor do mundo criassem ou ampliassem legislações sobre o tema.
O Brasil e a Lei sobre Morte Assistida
No Brasil, a eutanásia e a morte assistida são consideradas crimes, devido à interpretação da Constituição de 1988 que garante o direito inviolável à vida. Contudo, o Conselho Federal de Medicina permite a ortotanásia — a suspensão de tratamentos que apenas prolongam o sofrimento de pacientes terminais. Isso demonstra que há uma pequena abertura para respeitar a vontade dos pacientes, mas ainda longe de oferecer a autonomia que vemos em outros países. Em contraste, países como Bélgica, Holanda, Suíça, Austrália, Suíça e Canadá têm programas de eutanásia/morte assistida legalizados e amplamente regulamentados.
A Luta por Autonomia e Dignidade na Morte
O programa MAID (Medical Assistance in Dying) no Canadá é um exemplo de como a morte assistida pode ser regulamentada de forma eficaz. Embora pessoas com transtornos mentais só sejam elegíveis se também apresentarem uma condição física ‘grave e irremediável’, o programa oferece uma abordagem mais ampla para a morte assistida. Para se ter uma ideia do alcance do programa, é importante considerar a complexidade da morte e a busca por autonomia e dignidade dos pacientes em situações de sofrimento extremo.
Fonte: @ Veja Abril
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