Comedy de stand-up é suficiente para presumir ausência de discriminação.
É sabido que o humor tem o poder de abalar, mas quando se trata de piadas que desrespeitam pessoas com deficiência, há um limite a ser respeitado. Nesse caso, o comediante Bruno Lambert, ao fazer uma piada sobre cadeirante, acabou na mira da Justiça, que investigou o caso sob a alegação de discriminação. No entanto, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu trancar o inquérito, argumentando que a intenção de brincar (animus jocandi) presente nas apresentações de stand-up comedy é suficiente para excluir a intenção específica de discriminação, o que caracteriza o crime previsto no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Na análise do STJ, o dolo (intenção de fazer algo) em piadas é diferente da intenção específica de discriminação, e que o animus jocandi é um elemento crucial para distinguir entre o que é considerado “jocundo” e o que é considerado ofensivo. É importante ressaltar que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade, evitando danificar a autoestima e a dignidade das pessoas. Em outros termos, a intenção de brincar não pode se tornar intenção de machucar, sob pena de transgredir os direitos das pessoas.
Entendendo a discriminação em apresentações de stand-up
Durante uma apresentação de stand-up comedy, o comediante Bruno Lambert fez uma piada envolvendo um cadeirante, fazendo uma referência mordaz à dificuldade de ‘pegar’ uma mulher com deficiência física. ‘Você já comeu uma cadeirante? Eu também não. Sabe por quê? Porque não dá. Coloquei ela de quatro, ela murchava. Aí, você tinha de pegar ela aqui, abaixa .parece CrossFit, entendeu?’ A defesa do comediante impetrou habeas corpus, argumentando que a conduta era atípica, pois não havia dolo específico de discriminação.
A defesa sustentou que a avaliação da piada ou do comediante cabe à sociedade e ao público do espetáculo, e que não é função da autoridade estatal exercer censura. Por isso, requereu o trancamento do inquérito, mas o TJ/SP negou o pedido. Para o TJ/SP, seria prematuro tirar conclusões naquele estágio das investigações, pois seria necessário apurar o caso de forma mais detalhada, o que incluiria ouvir pessoas que assistiram à apresentação e analisar uma possível gravação do evento.
O relator do recurso no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, esclareceu que o encerramento prematuro da ação penal ou do inquérito policial é uma medida excepcional. Ela só é admissível quando ficar comprovada, de forma inequívoca, a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a ausência de provas sobre a materialidade do crime ou indícios de autoria, ou ainda a presença de causa extintiva da punibilidade.
O ministro destacou que o inquérito foi instaurado para apurar se o acusado, durante um show de comédia, ao contar uma piada sobre cadeirante, teria praticado a conduta prevista no artigo 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Para o magistrado, o contexto apresentado nos autos não indica o dolo específico de discriminação – ao contrário, sugere sua ausência.
‘O fato de se tratar de um show de stand up comedy já denota a presunção do animus jocandi, sendo necessário, portanto, elementos no mínimo sugestionadores do dolo específico de discriminação, para que seja possível instaurar um inquérito – o que não se verifica na presente hipótese’, afirmou.
Processo: Rhc 193.928 Leia a decisão. Com informações do STJ.
Fonte: © Migalhas
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